A principal lição que eu aprendo na escola é a viver no mundo
Por Bruno G. Borges
O que a escola significa hoje? O conteúdo, você pode encontrar no Google, em cursos on-line, em livros. As provas podem ser on-line, o ENEM caminha para ser totalmente assim um dia. Mas tem duas coisas que são próprias da escola:
Quando eu estava em idade escolar eu adorava ir para a escola. Eu gostava de estudar, mas não era isso a principal coisa que gostava na escola. Encontrar meus amigos, encontrar professores que eu gostava de conversar e que eu gostava de ouvir.
A escola é o lugar do encontro. Contudo, a internet também provoca encontros, alguém pode dizer. Sim, eu concordo. A internet aproxima as pessoas. Mas a escola promove um tipo de encontro diferente. E não tem nada a ver com o encontro a distância, se ele é melhor ou pior. Acho que essa é uma questão menor na diferença entre o encontro que a escola provoca e o encontro das redes digitais:
Se eu gostava de ir para a escola para encontrar meus amigos e escutar os professores que eu gostava, ao mesmo tempo eu tinha que encontrar colegas com os quais eu não me dava bem, com professores que eu não suportava. Mas era necessário manter esse contato. Na escola, é quando temos a experiência em ter que conviver com quem pensa diferente de mim.
Nas redes digitais ou na família, geralmente, eu convivo com quem pensa igual a mim. Se for na rede virtual eu bloqueio a pessoa, mas não tenho que conviver com ela.
Eu acredito que vocês conheçam o seriado da Netflix chamado Black Mirror. Em um dos episódios é possível que as pessoas bloqueiem umas às outras fisicamente. Ou seja, há um dispositivo no olho que se acionado, a pessoa que eu quero bloquear passa a aparecer para mim como uma imagem chuviscada e sem som.
O dilema do episódio é que feito o bloqueio uma vez ele não pode ser revertido. Este é um ponto positivo da escola, é promove encontros e exige o convívio com o mundo. E esse mundo não é feito só com pessoas que pensam como eu e minha família.
O outro ponto positivo em por que a escola não pode ser definitivamente virtual é que naquele espaço há uma transferência de experiência sem interesses. Quero dizer o seguinte: na família eu escuto meu pai porque é meu pai, eu faço o que minha mãe manda porque é minha mãe. Mas, na escola o professor é aquele que não espera de mim nada no futuro. Eu não tenho que representar nada para ele. Nossa relação é social e não familiar.
Na escola eu tenho a oportunidade de escutar outros adultos, com outras experiências de vida, que podem me abrir possibilidades diversas. Quantas vezes o que tenho de lembrança de uma aula de física ou português não é o conteúdo, mas o cuidado, a atenção em me escutar de um professor.
A experiência de ter a escola no computador é importante. Mas posso afirmar que apesar de os estudantes poderem conversar uns com outros pelo celular, eles querem estar na escola para ver, abraçar e até mesmo discordar uns dos outros. Mas, enquanto isso não é possível é preciso cuidado e atenção com tudo o que está se passando a nossa volta.
Nessa direção tem me preocupado o quanto estamos sendo expostos aos conteúdos digitais. Eu tenho chamado isso de fadiga informacional. Trata-se do cansaço diante de tanta exposição de conteúdo digital.
Receber atualizações, conferir comentários, contabilizar likes, compartilhar publicações. É uma série de cadeias que nos ligam a esse conteúdo digital. A internet por si só não é boa nem má. Ela não tem essa capacidade de autojulgamento. São os usos que fazemos delas que podem resultar em coisas boas ou não tão boas para cada um de nós.
O problema é que estamos passando cada vez mais tempo na internet e nos comportando cada vez mais como ela. Quem já entrou em uma página da internet qualquer e antes mesmo de chegar ao fim, ela atualizou e provavelmente foi para o início de novo. O tempo da internet é muito rápido e parece que estamos tentando acompanhar a sua velocidade.
Qual a consequência? Além da fadiga, a sensação de que não é possível ser tão rápido o que causa frustração, nosso pensamento precisa de tempo para ser processado. E na pressa em responder ao comando eu me limito a emitir opiniões a todo momento.
O que é a opinião? Há várias interpretações do ela é. Platão, por exemplo, vai dizer que ela é a falsa verdade, portanto, deve ser combatida. Mas, podemos dizer que a opinião é um tipo de verdade provisória. Que isso significa? É que ela é primeiro meio de estabelecer um parâmetro entre o que eu sei e o que estou vendo, sentido, passando que até então eu não tinha contato. Involuntariamente, temos opiniões a todo momento.
A questão está em: Quando devo emiti-la; E quando devo superá-la. O nosso tempo tem defendido que a opinião é a coisa mais cara que podemos ter. Que devemos defende-la e que não deve ser mudada. Esse é o maior engano acerca da opinião.
Não ter opinião a todo momento não é demérito, pelo contrário, me parece ser esta uma pessoa sensata. Isso porque para o pensamento precisa de tempo para ser emitido. Outra coisa muito comum já faz um tempo é confundir opinião e verdade.
Quem nunca ouviu que cada um tem a sua verdade? Mas aí eu pergunto se cada um tem a sua verdade como é possível conviver uns com os outros? Vale lembrar que dividimos o mesmo mundo e que não há a possibilidade de existir um mundo para cada um.
Desde a Grécia Antiga, a verdade é uma questão a ser entendida. Com Sócrates, a verdade é o bem que fazemos a nós sem causar o mal aos outros (virtude). Com Platão, a verdade é o conhecimento (inteligível). Com Aristóteles é a busca pela felicidade. No cristianismo, a verdade se dá por meio de revelação divina. Nietzsche, por sua vez, que a verdade é uma grande coerção ao homem a fim de dominá-lo. E assim tempos várias perspectivas.
Mas, de modo geral, a verdade é uma ideia. Não é coisa material. Ninguém pega a verdade nas mãos. Logo, quem afirma “eu digo a verdade” provavelmente está fazendo uso dela em função de outra necessidade. A verdade é uma ideia que sobrevoa nossa existência a fim de promover uma vida suportável tanto individual quanto coletiva. A verdade é um consenso. Logo ela é construída e não está imune a interesses diversos. Mas, por ser construída entre os indivíduos ela pode ser revisada. Caso contrário, nossa existência passaria a ser um fardo diante de uma situação a qual não podemos fazer nada.
O problema posto hoje é que não mais disputas em torno da verdade, mas um movimento de dizer que ela não existe. Quem já ouviu falar em pós-verdade? A questão que me preocupa é que se a verdade deixa de ser reconhecida como um valor, e especialmente, o valor democrático, plural, abrimos espaços para que outra coisa ocupe o seu lugar.
Voltando ao Black Mirror, quem assistiu ao episódio chamado “Momento Waldo”? Nesse episódio, um desenho animado se torna o principal candidato em uma eleição, justamente atacando a política. Ele ganha e passa a ser uma figura autocrática. Difícil não relacionar aos tempos que estamos vivendo, não é?
Com isso, quero deixar a mensagem de que se a verdade desaparece, algo vai ocupar o seu lugar. Se condenamos a política, algo também vai ocupar esse lugar. Se não queremos a democracia, abrimos espaço para qualquer coisa ocupar esse lugar.
Por fim, lembro aqui do Papa Francisco que disse certa vez que o mal do século é a indiferença. A indiferença a tudo o que falei até aqui e a tudo mais. Mas principalmente, a indiferença com o outro. A indiferença destrói uma sociedade por dentro. Nossos inimigos passam a ser nós mesmos até que a existência passe a ser tão insuportável que me torno indiferente a mim mesmo.
Referências que influenciaram este texto:
HABERMAS, J. (2012) Teoria do agir comunicativo. São Paulo. WMF Martins Fontes.
LARROSA, J.B. (2002) Notas sobre a experiência e o saber sobre a experiência. Revista Brasileira de Educação. jan./abr. pp. 20-28.
NEGRI, A; HARDT, M. (2016). Declaração: isso não é um manifesto. São Paulo. N-1 edições.
RANCIÈRE, J. (2014) O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo.